quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Venda de Modigliani - uma polêmica

'A Bela Romana', de Amedeo Modigliani

Qual o valor da arte? A que preço pode chegar um quadro de autor renomado? A polêmica sobre somas exorbitantes pagas por telas em leilões não é nova, mas ressurge a cada vez que o martelo é batido selando uma nova venda astronômica. Nesta terça-feira (02), a responsável pelo retorno do tema é a tela A Bela Romana, de Amedeo Modigliani, vendida por 69 milhões de dólares (cerca de 117 milhões de reais) em leilão na casa Sotheby's, em Nova York.

Apesar de alto, o valor pago por A Bela Romana está longe do recorde. Em 2006, uma tela de Jackson Pollock alcançou o preço de 140 milhões de dólares (o equivalente a 238 milhões de reais) em uma venda privada. O comprador é oficialmente desconhecido, embora suspeite-se de que seja o mexicano David Martinez, dono de uma empresa de financiamento.

As negociações mais festejadas acontecem em leilões conhecidos e são largamente noticiadas, como a do Modigliani vendido pela Sotheby's. As casas de leilões lucram bastante nessas transações. Na Sotheby’s, por exemplo, a comissão funciona assim: 25% para vendas de até 20.000 dólares; 20% par as de 20.000 a 500.000 dólares e 12% para negociações que ultrapassem o meio milhão de dólares. A Bela Romana, portanto, engordou o caixa da casa em nada menos do que 8.280 milhões de dólares (cerca de 14 milhões de reais) no momento em que o martelo foi batido.

Para o economista canadense Don Thompson, autor de um livro sobre o assunto (The US$ 12 Million Stuffed Shark), os preços são, sim, exagerados. Em boa parte por culpa do marketing montado em torno das vendas - que inclui a representação por marchands de grife, a inclusão na lista de um colecionador reconhecido, numa galeria badalada ou num museu respeitado. A galerista brasileira Luisa Strina tem uma tese complementar: a arte também está sob efeito das leis de mercado, e em geral há mais compradores do que obras disponíveis para a venda. Por telefone, ela falou ao site de VEJA sobre o funcionamento desse mercado.

Hoje um Modigliani foi vendido por 69 milhões de dólares.
Modigliani? Olha que ele nem vale isso.

O que explica esses preços tão altos?
Acho que o mercado está aquecido, as pessoas estão vendo que as aplicações financeiras não estão rendendo bem, então correm para as obras de arte.

Obra de arte pode ser considerado um investimento financeiro?
Não! Seria raso dizer isso. As razões para as somas exorbitantes são muitas. Em alguns raros casos podem até ser uma aplicação de dinheiro, mas em geral cada quadro tem uma história. Um museu que precisa de um quadro importante pode pagar milhões por uma obra para atrair público, por exemplo.

Mas e se o comprador for um colecionador?
Bom, se ele for um colecionador, ele é muito importante. Quem paga essas quantias está certamente ligado ao mercado de arte, não é um Zé da Silva qualquer. O caso é que o mercado cresceu muito, mas as obras disponíveis para venda não. Hoje você compra um quadro pela internet, assiste a um leilão ao vivo pelo computador. Aqui no Brasil ninguém comprava arte estrangeira; hoje compra. Um cliente meu disse que o sonho da vida dele era ter um (Joannes)Vermeer, que só fez 17 obras (na verdade, fala-se em cerca de 35). Não existe. É por isso que o mercado está cada vez mais chegando perto das obras contemporâneas.

No Brasil, qual é o recorde de venda?
Ah, minha filha, essas vendas são feitas entre quatro paredes, nunca em uma galeria. Um(Alfredo) Volpi, por exemplo, não aparece no mercado. Outro dia me falaram que as suas obras alcançam entre 300 e 400 mil dólares. Não sei, ninguém fala. E valores como esses só giram em São Paulo, essas obras não saem de São Paulo.

Das dez telas vendidas a preço recorde, três são de Picasso. O que explica o interesse pelo artista?
Picasso teve uma produção enorme. Ele é um artista fácil de ser assimilado e tem fama – inclusive em torno dele mesmo. Se você perguntar a um ascensorista o nome de um artista plástico, ele vai te responder: “Picasso”.

Na sua avaliação, os preços passaram do limite? Ou esse mercado é assim mesmo?
Eu acho que é assim mesmo, e não é porque trabalho com isso. Preços altos exprimem a valorização da cultura de um país. Por que você acha que os artistas chineses estão valendo tanto? É por que eles são o país da vez. O Brasil também está em alta, mas não há obras brasileiras na praça. Não existe Ligia Clark pra vender, nem Flavio de Carvalho, nem um(Vicente) Rego Monteiro maravilhoso, simplesmente não tem. Se você avisar que tem algo assim para vender, chovem vinte pessoas na sua porta. E aí, o preço vai parar nas alturas.

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