O trabalho por trás do glamour
Ipojucã Cabral
Subsecretário de Comunicação da PMS e diretor da ABI
“O jornalismo é a melhor profissão do mundo”, disse certa vez o escritor Garcia Marquez. E ele tem razão. No jornalismo, pode-se viver multidões de vidas numa única existência, dado o ecletismo da profissão. Contudo, a despeito do glamour, tema de mais de sete mil filmes e numerosos livros, é uma profissão, como qualquer outra, a exigir extenuante trabalho e dedicação.
Pela sua relevância na sociedade, exige uma densa qualificação profissional. Tão aprimorada quanto o direito ou a engenharia, a biotecnologia ou a neurociência. A extinção do diploma como pré-requisito para o exercício do jornalismo, tornou-o uma não profissão. O que aconteceu? A resposta exige reflexões a partir do interior e do exterior da profissão. Do interior, constata-se que ela foi destruída pelos próprios jornalistas. Não perceberam, ou se perceberam não explicitaram, que os cursos de jornalismo, além de massificados, estavam se tornando banais.
Com isso, a formação profissional perdeu aquilo que lhe era mais valioso. Os valores. Lembro-me que na década de 70, na Bahia, era motivo de orgulho pertencer à Escola de Jornalismo da UFBA. Orgulho que senti, com mais umas cinco dezenas de colegas, quando recebi meu diploma em 1975. Com o passar do tempo, e a multiplicação dos cursos, esse espírito dignificante volatizou-se.
Num plano externo, a profissão cedeu à miragem do mercado. Na ilusão de que o mercado resolveria o problema da qualidade de ensino, não foram poucos aqueles que condenaram o diploma. O resultado é que semeou-se uma convergência de aspectos negativos, tanto no âmbito interno quanto no âmbito externo. O STF, ao extinguir a exigência do diploma, só fez avalizar o que já estava decidido pelos próprios jornalistas.
O Supremo, aliás, equivocou-se em uma avaliação: não há incongruência, não há incompatibilidade entre a exigência de formação qualificada para o exercício do jornalismo e o princípio constitucional da liberdade de imprensa e de expressão. Na pura verdade, qualquer cidadão, independente da sua formação, ou até sem nenhuma formação acadêmica, pode se manifestar livremente através dos inúmeros veículos aí existentes, inclusive a internet, via blogs e sites.
Talvez a decisão do Supremo tenha acontecido porque o reconhecimento da profissão se deu por força de uma concessão do regime militar, em 69, sem que exigisse uma mobilização da categoria. Não foi uma conquista, foi uma dádiva. E, como toda dádiva, não é valorizada.
Hoje, é preciso acordar para a realidade, o jornalismo é uma profissão complexa, a exigir uma formação abrangente que envolve diferentes campos do conhecimento e que entre nós tem alimentado o estratégico segmento da comunicação política e empresarial. Em suma, é um saber científico que só pode existir e se consolidar no âmbito da academia.
Não se trata de um saber prático ou extintivo. É um conhecimento que deriva da soma de uma pletora de conhecimentos, envolvendo desde a filosofia à administração, do direito às ciências. Porque jornalismo e comunicação são o ponto de encontro entre a linguagem e a realidade. Tais constatações exigem, hoje, que jornalistas e comunicadores deixem de lado os véus das ilusões e das ingenuidades, e somem, num vasto movimento mobilizador, para restaurar a dignidade acadêmica do diploma.
Neste 7 de abril, Dia do Jornalista, é vital que se reflita. Não em torno da utilidade do diploma, mas no significado de algo mais amplo, que é a própria formação do jornalista. Esta jamais será fortalecida pelas demandas do mercado, mas, sim, pela efetiva valorização de uma formação acadêmica de nível elevado.
O que está em jogo é muito mais do que a garantia de emprego e salário para uma categoria profissional. Valorizar o diploma, e torná-lo condição indispensável para o exercício da profissão, é valorizar esse fenômeno maior, que é a produção de informação, o diálogo e a qualificação de profissionais que fazem da palavra o liame político que une a sociedade e alimenta a democracia.
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