domingo, 29 de maio de 2011

Conheça a profissão que tem uma vida voltada para a badalação: Sineiro



Com vocação para viver nas alturas, ouvido afinado e uma incontrolável curiosidade pelo passado, Manoel Cosme dos Santos poderia ter escolhido ganhar a vida como músico, montanhista ou professor de História, mas acabou optando por uma profissão que está fadada a ser extinta na cidade: a de sineiro. Há 30 anos, ele vive de tocar, cuidar, automatizar e pesquisar sinos, sendo um dos poucos especialistas ainda na ativa no Rio. Quem já assistiu a um casamento na Igreja da Candelária, no Outeiro da Glória ou na Igreja de Nossa Senhora do Carmo (a Antiga Sé), com certeza já ouviu os toques harmoniosos e precisos de Manoel, que é uma espécie de cuidador dos sinos da cidade.

Carioca do Engenho de Dentro, Manoel herdou do pai, um português de Trás-os-Montes, a profissão e a paixão pelos sinos. E costuma dizer que existe uma grande diferença entre ser um sineiro e um tocador de sinos.

VÍDEO:Veja como é a rotina de Manoel do Sino

- No Rio, há algumas pessoas que tocam sinos nas igrejas do Centro. Mas geralmente são funcionários que trabalham nas sacristias, nunca aprenderam a profissão e não sabem a linguagem dos sinos. Muita gente não sabe, mas, no passado, os sinos funcionavam como a internet (para comunicações a longa distância): dependendo dos toques, a pessoa informava um casamento, um nascimento, um funeral. Ser sineiro é algo que se herda, que se aprende na família. Além disso, também faz parte da função do sineiro a afinação e a manutenção dos sinos - ensina ele, que é conhecido como Manoel do Sino.

Como não são remunerados para exercer o ofício, explica Manoel, os tocadores de sino fazem o serviço de modo automático e, na maioria das vezes, de maneira errada:

- Muitos não querem subir a escadaria para tocar: amarram uma cordinha, colocam um rolamento e tocam lá de baixo mesmo. Dessa maneira, não conseguem medir a força necessária para tocar e acabam estragando o sino. Por isso, 40% dos sinos da cidade estão rachados - critica Manoel, acrescentando que existe um ponto certo para a batida do badalo: o bojo, a parte mais espessa do sino.

Justamente por saber dessa escassez de mão de obra, Manoel decidiu abrir, em sociedade com o irmão, uma empresa para restaurar, fazer a manutenção e automatizar sinos, a Tecnosino (www.sinoserelogio.com.br):

- O que eu mais gosto disso tudo é tocar o sino, mas tive que me render à modernidade. Infelizmente, não posso estar em todas as igrejas da cidade. Então, com esse sistema (automatizado), pelo menos os sinos não se estragam - diz Manoel, que está tentando convencer o filho Felipe, de 12 anos, a seguir sua carreira.

Há quem diga que Manoel faz um trabalho milagroso. Na Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, em Paraty, que data do século XVIII e é tombada pelo Iphan, ele acaba de restaurar e automatizar os três sinos, que estavam mudos há anos. Manoel também é responsável por cuidar dos sinos - e do relógio de carrilhão - do Santuário de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida do Norte, em São Paulo, além de ter instalado sistemas de toques automáticos em mais de cem igrejas em todo o país.

No Rio, foi pelas mãos de Manoel que os 12 sinos do Mosteiro de São Bento voltaram à ativa. Segundo o irmão Adalberto Chalub, sacristão do mosteiro há quase 60 anos, antes os instrumentos - um carrilhão alemão da década de 50 e um conjunto de sinos portugueses do século XVIII - eram consertados por zeladores ou eletricistas não especializados, e frequentemente paravam de funcionar. A contratação de Manoel, que há quatro anos é responsável por cuidar dos sinos do mosteiro, fez a diferença. Ele também instalou ali o sistema que permite aos monges acionar os sinos da sacristia, por meio de botões.

- É um profissional que tem amor pelo que faz. A gente nota isso - elogia o irmão Adalberto, que é responsável por tocar os sinos do mosteiro, importante meio de comunicação na rotina do monges.

Na Antiga Sé, na Rua Primeiro de Março, no Centro, além de trabalhar nas missas e celebrações, é sua responsabilidade manter funcionando os seis sinos. Entre eles, estão o mais antigo, de 1621, com 350 quilos, e o sino Dom João VI, de três toneladas, feito em 1814.

Atualmente, Manoel, de 45 anos, é o sineiro oficial das mais antigas igrejas da cidade, cobrando em média 400 reais para tocar em casamentos. No Convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca, fechado para restauração, ele só tem tocado durante a trezena e a novena de Santo Antônio, e em 12 de junho, dia do santo.

- Aqui no Rio, eu toco sino principalmente em casamentos, na Antiga Sé, na Candelária e no Convento de Santo Antônio. Nesses locais, o trabalho é manual. Além disso, há o Mosteiro de São Bento e o Outeiro da Glória, onde uso o sistema mais ou menos automático, em que os martelos são acionados por botões, na sacristia. A vantagem é que eles podem ser acionados por qualquer pessoa - conta, acrescentando que já instalou sistema semelhante em várias igrejas no Rio, em São Paulo, no Pará, no Rio Grande do Sul e no Paraná.

No começo, Manoel dividia o ofício com o irmão gêmeo, Cláudio, mas acabou assumindo sozinho o papel de sineiro da família. Cláudio, que também usa sino como sobrenome profissional, preferiu trabalhar com a restauração e a automação dos equipamentos.

- Meu bisavô tinha uma fundição em Portugal, onde trabalharam meu avô e meu pai. Quando meu pai veio para o Brasil, trabalhou numa fábrica de cimento e só retomou o contato com sinos depois de se aposentar, na década de 70 - relembra Manoel. - Os sinos da igreja perto da nossa casa, a de Nossa Senhora do Conceição e São José, no Engenho de Dentro, estavam parados e meu pai acabou ajudando. Ele nos levava junto e nós aprendemos. Começamos assim.

O sineiro, que coleciona histórias e tem anotado o nome de batismo de cada um dos sinos que já tocou ou consertou, tem dois sonhos. O primeiro é escrever um livro sobre o tema. O segundo é reformar e automatizar os 39 sinos da Igreja do Santuário da Penha.



Informações: Portal O Globo

Nenhum comentário: