quarta-feira, 8 de julho de 2009

Fortaleza na Copa

Fortaleza na Copa
José Borzacchiello da Silva04 Jul 2009 - 19h01min
Comemoramos a inclusão de Fortaleza entre as cidades-sede da Copa do Mundo de Futebol em 2014. Mais uma vez a cidade depende de decisão externa tendo em vista a execução de projetos e atendimento de demandas. Se a agenda for cumprida teremos uma cidade renovada e bem melhor para se viver. Algumas obras há muito estão listadas entre as prioridades. Esperamos que a Copa seja realmente milagrosa, capaz de resolver os problemas de saneamento básico, de devolver mais áreas verdes para o fortalezense, abrir vias em áreas de alta densidade, dar conta dos resíduos sólidos, das condições de saúde, transporte e educação.
Se a Copa é um incentivo para arrumar a casa, temos que pensar noutros eventos capazes de motivar nossos gestores a cuidar da cidade para essas ocasiões. É lamentável constatar a elaboração de uma pauta de realizações em função de um evento. Que venha a Copa e que Fortaleza tenha um desempenho elogiável.
A cidade conta com uma torcida invejável que lota os estádios e às vezes até exagera nas comemorações provocando pânico e tumultos. Temos mesmo que festejar e lamentar ao mesmo tempo. Mais uma vez a cidade é pensada de forma pontual, a partir de efemérides. Por que não pensá-la na perspectiva de seu cotidiano, na sucessão dos dias, no enfrentamento da rotina que mescla trabalho e lazer, festa e aborrecimentos e mil e uma atividades? Os seus cidadãos ressentem-se de uma cidade mais equipada, mais humana e solidária. Podemos enumerar obras que foram realizadas em função de eventos. Visita do papa João Paulo II, em 1980, realização da ICID – Impacto de Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável, em 1992, 43ª. Reunião do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, em 2002, vinda de presidentes, ministros ou outras autoridades. Nessas ocasiões, a cidade se engalana para mostrar-se arrumada e limpa. Os visitantes saem maravilhados com o asfalto novinho em folha, ruas limpas com seus meio-fios caiados, uma beleza! O povo até gosta. Diante de tanta mazela, quem não gosta de ver a cidade arrumada? É uma das poucas oportunidades de ver a cidade maquiada, nos trinques, pelo menos no percurso a ser trilhado pelos visitantes. Pena que dure tão pouco. Terminado o evento, começa a operação desmanche e tudo volta a ser como antes.
Não podemos pensar a cidade em função de festas e acontecimentos isolados. Que venham a Copa e muitos outros eventos capazes de ampliar nossa relação com o Brasil e o Mundo. Que venham mais recursos e que melhoremos os índices que escancaram nossa pobreza e desigualdade. E depois da festa, o que fazer? Que a Copa de 2014 seja diferente. Que se arregace as mangas e se dê conta da Copa e da enorme dívida social, pautada em várias demandas reprimidas, muitas delas históricas. São pleitos clamando infra-estrutura, equipamentos, serviços.
Antes de mais nada, seria interessante pensar o significado de arrumar a casa para um evento capaz de atrair milhares e milhares de turistas. Tudo bem, turista merece e deve ser muito bem recebido, bem tratado. Ele é a possibilidade de trocas de experiências de contato com o diferente, ele traz divisas para a cidade e o Ceará e ainda faz propaganda daquilo que lê e vê. Na verdade ele vê muito pouco, seu olhar é filtrado. Na maioria das vezes só vê o que lhe é mostrado. Por que não arrumar a casa para os que vêem a cidade diariamente? Se a cidade é boa para nós, será, certamente, boa para o turista. Que tal sair do circuito Beira mar abrangendo Canoa Quebrada, Morro Branco, Beach Park, Cumbuco. Jericoacoara. Penso que o turista não gostaria muito de circular por nossos bairros. Basta imaginá-lo em nossa periferia, colocando os pés no barro, transpondo valas, pisando no lixo. Certamente não gostaria de depender de nosso serviço de transporte. Que tal convidá-lo a dar a voltinha de trem até Maracanaú ou Caucaia? Ficaria horrorizado face à situação da maioria das composições. Ele poderia experimentar nosso transporte integrado, passar um bom tempo no terminal aguardando um ônibus lotado. Que tal o Circular 2, do Terminal do Antônio Bezerra até o do Papicu? Que cidade e essa, perguntará o turista, ao perceber que as imagens que ele vê não conferem com as da propaganda?
José Borzacchiello da Silva -
Geógrafo e professor da UFC

Nossa opinião: http://www.opovo.com.br/opovo/opiniao/891454.html

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