domingo, 5 de setembro de 2010

As viagens da minha infância




Viagens sempre foram presentes na minha infância. Eram sagradas nossas viagens. Eu e minha irmã ficávamos eufóricas. Esperávamos ansiosas o dia de acordar de madrugada para sairmos rumo ao destino escolhido com meu pai e minha mãe. Primeiro na Variante azul clarinha e depois numa Brasília da mesma cor.

Arrumar o carro para a viagem era uma festa. Sempre saíamos com o dia amanhecendo. Eu pensava que era à hora oficial de todas as famílias viajarem. Pensava que todos viajavam nas férias e naquele horário.

A maioria das viagens o destino escolhido era Minas Gerais. Passando por São Paulo e Rio de Janeiro. Minha mãe preparava lanchinhos deliciosos, tudo que a gente gostava. Meu pai nos mostrava todas as paisagens na estrada e chamava atenção para os dizeres dos caminhões. Quando entrávamos em Minas ele falava: agora não estamos mais na Bahia. Sempre nos explicando. Fazíamos brincadeiras de adivinhações e contávamos bastantes histórias. Era tão bom que nem sentíamos o tempo passar.

Ficávamos hospedados sempre no mesmo hotel: o Hotel Londres, em São Lourenço/MG. Um lugar encantador. Tem o Parque das Águas que é a maior atração do lugar. O pessoal do hotel já nos conhecia. Tinha o garçom: “tá na mão”. Chamávamos ele assim porque tudo que a gente pedia ele dizia: “tá na mão”!

O melhor era a diferença do clima, em São Lourenço faz frio. Levávamos roupas especiais, como casacos e meias de lã. Adorávamos vestir aquelas roupas. Tudo era novidade. À noite quando o frio aumentava na hora de dormir, meu pai antes deitava na minha cama e na cama de minha irmã para quando a gente fosse deitar o colchão estar quente. Era uma delícia. Assim que ele se levantava a gente se jogava na cama. Era um sono bom, tranqüilo, e amanhecíamos felizes. O café da manhã era delicioso, “tá na mão” se encarregava de nos servir e paparicar. Apresentava todos os queijos mineiros - um melhor do que o outro. Passávamos o dia no parque, meus pais nos explicavam pra que servia cada fonte de água. Andávamos de pedalinho, charrete. Foi lá que aprendemos com meu pai a jogar bocha e a andar de patins ao som de Killing me Softly com Aretha Franklin. Eu e minha irmã - até hoje - onde estivermos ao ouvir essa música nos transportamos para a pista de patinação de São Lourenço.

Almoçávamos em restaurantes charmosos com comidas da região. Visitávamos fábricas de doces caseiros e de enfeites cristal. À noite brincávamos com a fumaça que saia da boca por causa do frio. Em todas as atividades meus pais estavam presentes. Não tinham recreadores. Isso ficava por conta de meu pai e minha mãe.

Meu pai é do Ceará, em janeiro vínhamos pra Fortaleza, depois Massapê, interior do Ceará – terra do meu pai. A nossa felicidade cabia toda no quintal do meu avô, Sigefredo. Lá tinha um monte de frutas e algumas galinhas. Só podíamos entrar com ele, e era isso que fazia do quintal o melhor lugar do mundo! E o melhor era quando conseguíamos entrar sorrateiramente. Melhor do que o quintal de meu avô era a galinha que minha vó Creuza preparava. Aliás, em Massapê tudo era gostoso. A dormida de rede, as idas à pracinha e a liberdade de brincar da rua.

Ainda tinha de vez em quando férias em um interior da Bahia chamado Uruçuca, na casa de meus tios Maria Lúcia e Dilson. Terra do cacau. Íamos em época da fartura, quando o cacau valia ouro! Fomos conhecer uma roça de cacau, na fazenda de Sr. Osmário - pai de meu tio Dilson. Sr. Osmário, era bem gordo e sério, a gente tinha muito respeito. Um dia lá na roça ele abriu um cacau e nos deu pra provar. Era difícil de acreditar que o nosso tão querido e amado chocolate era feito daquela fruta tão azeda! Achava que era invenção de Sr. Osmário. Aí ele fez uma garapa, que são os caroços do cacau num copo com água e açúcar. Aí sim! Ficou melhorzinho. Lá em Uruçuca ganhei meu primeiro skate, e lá tomei minha pior queda. Joelhos ralados, mas muito feliz, lá nos brincávamos o dia inteiro.

As melhores viagens que já fiz estão lá na minha infância. Retorno sempre aos lugares, pelo cheiro, pelo som, pelo tato e quando saboreio uma moqueca de ostras, que era o nosso prato oficial das férias na ilha de Itaparica. Vou até a ilha, aos nossos veraneios na Gameleira, é só sentir o cheiro do Coopertone. As melhores lembranças ficam registradas quando nosso coração ainda é criança. E ele pode ser a vida inteira!

"A paisagem onde a gente brincou pela primeira vez não sai mais da gente." (Candido Portinari)

Tem um trecho do livro Pequeno Príncipe que diz:

“- Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete como tu: “Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!” e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo!”Pequeno Príncipe

Infelizmente encontramos vários “cogumelos” por aí. Não se transforme em um "cogumelo".

Foram férias maravilhosas que fazem parte da “minha infância querida, que os anos não trazem mais” onde “Eu tinha nessas delícias, de minha mãe carícias, e beijos de minha irmã”!

Cresci me formei em turismo, mas foi com meus pais, com nossas viagens, que aprendi que numa viagem com crianças é preciso virar criança. Ver e sentir como criança. Assim como eles faziam.

Portanto, quando pegar a estrada com uma criança, qualquer estrada, seja no ar, na terra ou no mar. É a hora de sair de casa. É preciso fortalecer a criança, para que ela se sinta segura. Nada melhor do que iniciar despertando a apreciação das imagens, desvendar os sentidos das coisas, motivar e articular o olhar da criança.

É hora de fazer a sua criança criar asas e voar na imaginação. Desperte o olhar dela para a luz, para a cor, traga os objetos da estrada para fazer parte da sua história. É preciso que a criança entre na fantasia da imaginação.

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