sábado, 3 de março de 2012

Conheça região do mundo que fica até três meses sem ver o sol





Norilsk é um dos poucos lugares do mundo onde uma pessoa pode perguntar se é de dia ou de noite sem ter medo de que alguém ache que ela está maluca. Três meses por ano, de novembro a fevereiro, o sol não nasce em Norilsk e somente a aurora boreal rompe a escuridão da longa noite. Em troca, de maio a junho o sol não desaparece do horizonte e é sempre dia.
O longo dia acaba não sendo menos difícil para o ser humano que a noite interminável, aos quais se somam os ventos e o frio quase eterno. "E o verão, é quente?". "Sim, mas este ano caiu em um dia de trabalho", respondem em Norilsk, onde a temperatura média de julho, o mês mais "quente", é de 15ºC.
O senso de humor é obrigatório para sobreviver em Norilsk, como o melhor remédio para evitar a doença que os médicos chamam de síndrome de tensão ártica.
A primeira impressão sobre o clima e a interminável noite polar atemorizam o turista que poderia ser acometido de uma rara doença se ficasse aqui mais tempo, mas depois de seu primeiro contato com os habitantes de Norilsk os medos desaparecem.
De manga curta acima do círculo polar
Para a primeira viagem a Norilsk, onde já em outubro a temperatura pode chegar a 30 graus negativos, deve-se carregar a bagagem de roupa térmica, peças grossas de lã etc. E se passará mal no destino, pois em cada casa, escritório, cafeteria, em cada local que entre encontrará homens de camisetas de manga curta e mulheres com vestidos de verão. O calor invade toda a cidade, apesar das casas serem erguidas sobre o gelo perpétuo, que se estende sob seus alicerces até cerca de 100 metros.

A exceção é a rua, onde as temperaturas atingem às vezes os 60 graus abaixo de zero com ventos de 30 metros por segundo, por isso que de todo modo é preciso usar um casaco grosso. Certo é que a rua é adaptada como em nenhum outro lugar da Rússia para proteger o transeunte das inclemências árticas. Os prédios têm forma de quadrado, para proteger os pátios interiores do vento, e sob os arcos que levam para dentro das edificações há varandas que ajudam a suportar as investidas dos furacões árticos.
Graças em grande parte a Norilski Nikel, o todo-poderoso consórcio industrial que tudo controla para bem de seus cidadãos nesta cidade, as paradas do transporte público são sólidas edificações com calefação, portas e janelas. Lugares aptos até para viver, pois não será uma piada o relato de um autóctone, que apanhado pela tempestade, com visibilidade nula e ventos fortes, teve que pernoitar em um parada de ônibus a 50 graus abaixo de zero.
Embora hoje esta situação já não seria vista, pois o Norilski Nikel comprou para a cidade ônibus capazes de continuar em funcionamento no meio de qualquer tempestade. Fez-se muito para que a vida nesta inóspita cidade seja menos desagradável e somente um lugar lembra tempos ainda mais obscuros que a noite ártica, quando o homem fazia tudo para que a vida dos seus semelhantes, os primeiros habitantes, fosse muitos mais difícil.
Norlag, o inferno glacial
Como em muitos outros lugares da imensidão da Rússia, os pioneiros destas inóspitas terras foram os presos que tiveram a "sorte" de não ser fuzilados, mas condenados a trabalhos forçados, em autênticos campos de concentração, dignos da Alemanha nazista, durante as expurgos stalinistas de meados dos anos 30. Os mais sortudos chegavam aqui durante o curto verão por rio ou a pé, outros, a maioria, tinham que percorrer andando, sob o terrível frio, dezenas de quilômetros desde a ferrovia mais próxima.

Delinquentes comuns não eram enviados para lá. Todos os internos do Norlag, como se chamava a mais fria ilhota do terrível arquipélago Gulag, descrito anos depois pelo Nobel Aleksandr Solzhenitsin, eram presos políticos - homens e mulheres de toda a enorme União Soviética - cientistas, médicos, engenheiros, professores, artistas.
Com os anos, Norlag foi se transformando no reflexo da expansão do império de Stalin e das repressões do sanguinário ditador. Primeiro chegaram os oficiais das repúblicas bálticas, letãos, lituanos, estonianos; depois os poloneses. Foram os presos que com picareta e pá, no meio do perpétuo congelamento, construíram as primeiras pedreiras, a fábrica e a velha cidade. Entre 1935 a 1956 passaram por Norlag pelo menos 400 mil prisioneiros.
No meio do frio polar trabalhavam mal vestidos e desnutridos durante 12 horas diárias, para depois ir 'descansar' nos barracões, tiritando de frio e escutando os uivos do vento polar. Viviam ou sobreviviam, sonhando com a liberdade sob a aurora boreal, e aqui morriam, esperando-a.
Hoje, ao pé do Monte Shmidt continua o cemitério onde os presos eram enterrados. No começo dos anos 90, após a queda do comunismo, se levantou neste lugar o monumento "O calvário de Norilsk". Ao pé do monte, o vento gelado se introduz por todas as partes entre as roupas do viajante, entrando até os ossos.
Protótipo de estação lunar
Somente as enormes riquezas naturais do subsolo justificam a presença do homem em condições tão desumanas, sugerindo a comparação de Norilsk, onde toda a vida circula em torno da produção da Norilski Nikel, com uma futura estação lunar.

Toda comunicação com o "continente", como chamam aqui o resto da Rússia, é feita por cabo marítimo, fluvial e aéreo do gigantesco consórcio. Para transportar os metais que produz, o gigante industrial construiu toda uma frota de quebra-gelos e navios de transporte capazes de navegar ente as geleiras durante a maior parte do ano.
No outono do ano passado, o quebra-gelos de carga Monchegorsk, propriedade da Norilski Nikel, cobriu em uma só temporada de navegação a rota desde Murmansk, no extremo norte europeu da Rússia, até a cidade chinesa de Xangai.
A Norilski Nikel desenvolve o ciclo completo de produção, desde a prospecção e produção de matéria-prima até a fundição e comercialização dos metais. Seus produtos são exportados para 20 países e nas joalherias de Norilsk podem ser compradas joias elaboradas de sua platina e paládio.
Durante o breve verão, a frota fluvial se encarrega de transportar tudo o que for necessário para a vida durante o longo inverno pelo rio Yenisei até o porto de Dudinka, que junto com a ferrovia local também pertence ao consórcio.
No entanto, salvo pelas provisões de alimentos, e nem todos, Norilsk é praticamente uma cidade autossuficiente. Suas centrais elétricas geram energia, o gás e petróleo é extraído de jazidas locais e se processa em plantas que também pertencem à indústria. Há alguns anos, a fim de tornar mais acessível a comunicação aérea, o consórcio criou sua própria companhia aérea, a Nord Star, que forçou a concorrência a baixar os preços das passagens.
A empresa também se encarrega do descanso de seu pessoal, que desfruta de férias de 90 dias por ano, e o montante de seus programas sociais chega a três bilhões de rublos (cerca de 80 milhões de euros). Além do enorme hotel Zapoliarie (Transpolar), o melhor do balneário russo de Sochi nas margens do Mar Negro e propriedade do consórcio, cobre grande parte da despesa de férias de seus trabalhadores. Deste modo, duas semanas na Bulgária custa para um operário da empresa o simbólico preço de 1.500 rublos (menos de 40 euros), e duas semanas nas praias da Espanha valem junto com o voo cerca de 12 mil rublos (300 euros).
Como São Petersburgo
Os ursos não andam pelas ruas de Norilsk. Porém, há alguns anos um homem tinha uma ursa polar chamada Ayka, que vivia em seu apartamento e à qual levava para passear pelas ruas como um cachorro.

Os habitantes locais dizem que, por causa de sua arquitetura, Norilsk se parece com São Petersburgo de meados do século XX, pois foi construída pelos mesmos arquitetos que, depois da Segunda Guerra Mundial, ampliaram a antiga capital imperial e tentaram transferir para esta cidade ártica os traços de sua cidade natal.
Seria preciso ser um verdadeiro especialista para distinguir nos edifícios da cidade ártica os traços da Leningrado soviética, ainda mais atualmente, depois que por recomendação dos psicólogos suas fachadas foram pintadas de cores que lembram uma paradisíaca ilha tropical.
Mas se no Caribe essas cores refletem a alegria da vida em um ambiente paradisíaco, aqui, depois do Círculo Polar, o objetivo é diminuir a inclemência da natureza e do clima. Também não falta a alegria por estas paragens, pois até a chegada do longo e deprimente inverno é comemorada com uma festa.
A arrasadora maioria da população é jovem, que chega atraída pela possibilidade de fazer uma rápida carreira profissional e gozar de condições econômicas que dificilmente conseguiria em outra parte da Rússia. Uma vez lá, começam a trabalhar para preparar sua volta ao "continente", à parte europeia do país. Com este fim o consórcio investe na construção de casas na Rússia Central. Para conseguir um apartamento em outra cidade basta trabalhar dez anos em Norilsk.
O ártico tropical
O museu local tem um dente de mamute do tamanho de uma bota e a guia conta que há milhões de anos atrás viviam neste mesmo lugar, entre a abundante vegetação tropical, os enormes antepassados dos elefantes. De suas presas, que até o dia de hoje podem ser encontradas nas cercanias da cidade, os habitantes autóctones da península de Taymir, onde fica Norilsk, talham com grande maestria lembranças que podem adquirir em abundância nas lojas locais.

Aqueles distantes tempos, nos quais em vez dos icebergs de gelo se estendiam nestas terras imensas praias capazes de competir com os balneários mais famosos de hoje, se refugiaram no subconsciente dos habitantes locais. A cafeteria local se chama El Cocotero, o centro recreativo leva o nome da África, as aulas de salsa e danças hindus não saem de moda, e escondidos entre as peles dos gorros e abrigos com frequência se veem rostos bronzeados, pois os solários (salas de raios UVA) são um dos negócios mais prósperos.
O otimismo de alguns é tal que inclusive transformaram o lago local Dolgoye, situado entre a cidade e a zona industrial, em uma autêntica praia, onde se toma banho quase com qualquer tempo. Até pouco tempo atrás o lago serviu de despejo para a central elétrica, mas nos últimos anos as autoridades locais fizeram de tudo para melhorar a ecologia da região, um dos principais problemas de Norilsk para cuja solução foram investidos em seis anos quase 1,7 bilhão de euros. Como resultado, para 2015 se prevê reduzir em quatro o nível de contaminação industrial.
Agora, mais de 200 pessoas integram o clube "Morsas de Taymir", capazes de ficarem nus a 50 graus negativos e mergulhar nas águas, abertas a machadadas na grossa carapaça de gelo que cobre o lago.
Dolgoye no idioma da etnia local dos Dolgan significa sagrado. "Por isso suas águas dão força e levam todo o mal", explica o presidente do clube, Gennady Aksionov, muito contrariado se o visitante se negar a seguir seu exemplo.
"Estar aqui e não mergulhar! Aqui se banha gente desde um ano de idade e até os 70. Por que veio então a Norilsk?", pergunta. Informações: Portal Terra - MIGUEL BAS  Foto: Norilski Nikel/EFE


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