"Pois adoro viajar. Quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real? Para mim, nada mais vivo do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento. Talvez trouxe esta mania dos trens (janela de trem é a melhor que existe), carros e ônibus da infância, porque mesmo em avião hoje em dia, só viajo na janela. Quem já viu de cima Paris, o Rio de Janeiro ou a antiga Berlim do muro sabe que vale a pena.
Topo qualquer negócio por uma viagem. [...] Para suportar tais fadigas, é preciso não só gostar de viajar, mas principalmente de ver. Para um verdadeiro apaixonado pelo ver, não há necessidade sequer de fotografar, vídeo então seria ridículo. Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas.
[...] Lembro um velho poema de Manuel Bandeira — «café com pão/ café com pão” — recriando a sonoridade dos trens de antigamente. Pois aqui nesta janela, além dela, passa boi, passa boiada, passa cascata, matagal, vilarejo e tudo mais que compõe a paisagem das coisas viventes, embora passe também cemitério e fome. Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar."
Caio Fernando Abreu
PS: Nunca vi melhor definição de viagem dentro de uma beleza infinita! Ahhhhh quantas lindezas e ensinamentos Caio nos deixou! Amo você CaioFAbreu!
Um comentário:
gente nunca vi dizeres tão sabios... me sinto tb assim "viajar para mim, nada mais é do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento"... amo essa forma de poesia!
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