Não pergunte por que os cidadãos da aldeia de Huaxi, com 2 mil habitantes, a poucas horas de carro de Xangai, construíram um arranha-céu de 74 andares ao lado de sua principal praça. Todo mundo na China sabe a resposta: Esse é mais um passo no seu plano para criar a utopia comunista imaginada por Mao.
A parte da utopia certamente parece plausível. Mas se Mao teria aprovado a tática é algo que ainda gera dúvidas. O novo prédio de Huaxi, batizado de New Village in the Sky - que com mais de 330 metros é um pouco mais alto que o Chrysler Building, em Nova York - está recebendo retoques finais, em preparação para uma inauguração oficial em outubro.
Entre outras atrações, ele contará com um hotel cinco estrelas, uma sala de concertos adornada com folhas de ouro, um shopping de luxo e o o maior restaurante giratório da Ásia. Além disso, terá cinco estátuas em tamanho natural de um búfalo, o símbolo de Huaxi, em cada 12 andares.
Que esse edifício de meio bilhão de dólares esteja localizado em uma vila a 40 minutos de qualquer cidade grande faz parte do plano. Apesar de poucos estrangeiros já terem ouvido falar de Huaxi, os chineses a conhecem como o coletivo socialista que funciona – uma vila onde a propriedade pública dos meios de produção não fez apenas todos iguais, mas ricos também.
Dois milhões de turistas visitam anualmente a maravilha de Huaxi, entre eles oficiais de outras aldeias que desejam saber como Huaxi conseguiu isso. O enorme arranha-céu, cujo topo é uma gigantesca esfera dourada, nunca vai ganhar prêmios de arquitetura. Mas ele adicionará ao fascínio de Huaxi, os pais da aldeia preveem com confiança, além de trazer o dinheiro dos turistas.
"Nós o chamamos da construção do aumento vezes três", disse Wu Renbao, 84 anos, reverenciado o patriarca da cidade, o que significa que ela irá aumentar a área de Huaxi (pela metade), aumentar a sua força de trabalho (em 3 mil e, além disso, aumentar a sua riqueza.
Se ele estiver certo, todos os 2 mil moradores vão ficar um pouco mais ricos. Todos eles são donos de uma parte do prédio - assim como são donos do moinho de aço, da fábrica têxtil, do complexo de efeito estufa, da companhia de navegação e de outros empreendimentos da cidade. Essa é a história de Huaxi: ao aderir rigidamente ao socialismo de características chinesas, os cidadãos da pequena aldeia criaram um oásis de prosperidade e conforto que é a inveja do mundo.
Aldeia agrária
Quando a China abraçou o capitalismo efetivamente na década de 80, Huaxi era uma aldeia agrária cheia de casebres e acessível apenas por estradas de terra. Wu, na época o secretário do Partido Comunista local, aproveitou a nova abertura de mercado para mudar a economia agrícola de Huaxi para a fabricação e o comércio, mas com uma diferença: os moradores colocavam seu dinheiro em um pote coletivo e recebiam os lucros de qualquer nova empresa que comprassem.
"Nos 30 anos após a abertura, o sistema mudou em muitos lugares”, disse o filho de Wu, Wu Xie'en. "Alguns escolheram a propriedade privada, mas as pessoas de Huaxi escolheram a propriedade pública. O maior benefício é que as pessoas compartilham a prosperidade comum”.
Parece inegável que Huaxi é uma cidade próspera. Os aldeões recebem grandes remunerações anuais, vivem em casas espaçosas, em vez dos habituais apartamentos apertados da China, dirigem carros importados e recebem cuidados médicos básicos, educação e até mesmo férias anuais pagas pelo governo. Ultimamente eles também podem receber passeios de helicóptero, cortesia de um investimento de 100 milhões de renminbi (literalmente, moeda do povo), cerca de US$ 15,5 milhões, na compra de uma frota de helicópteros e pequenos jatos para atrair ainda mais turistas.
Ge Xiufang, 62 anos, era uma camponesa pobre de uma área do norte da província de Jiangsu quando seu filho recém-formado começou a procurar trabalho no início dos anos 90. "Ele viu um anúncio em um jornal chamando trabalhadores para Huaxi", contou ela. "Assim, nós viemos para cá e dois anos mais tarde nos tornamos moradores."
Isso foi em 1993, antes de Huaxi decolar. Ge foi entrevistada na casa de seu filho, uma construção de dois andares com piso em mármore, sofás de couro, um grande aquário e um armário de bebidas dominado por uma imensa garrafa de uísque caro. Ge disse que ela e seu marido moram em uma casa a poucos quarteirões de distância e usam um dos três carros da família para ir de um lado para o outro.
"Nós, camponeses, nem sequer tínhamos edifícios de apartamentos naqueles dias", disse ela. "Não tínhamos ideia que seria tão bom”.
O ancião Wu exalta o esplendor de Huaxi - e a sabedoria do governo de Pequim - em uma longa palestra feita diariamente em um auditório lotado com centenas de turistas. Para martelar o recado, na sequência é apresentado um musical, uma espécie de ópera chinesa com características da Disney que envolve músicas envolventes.
"Onde vivemos: jardim, casa, mansão de estilo ocidentalO que comemos: a cultura alimentar cheia de nutriçãoO que vestimos: grandes marcas da modaE Huaxi é rica em substância, política e espíritoUm convidado americano disse: “OK, OK,O socialismo é tão bom, que os americanos querem também!''
No entanto, o que é rotulado como socialismo parece de fora como uma grande corporação capitalista à moda antiga, aparentemente bem gerenciada, com 2 mil acionistas que vivem confortavelmente de seus lucros. E, na verdade, os assuntos de Huaxi são executados por uma empresa, a Jiangsu Huaxi Group Corp, que informou abrigar 57 subsidiárias, incluindo sete outras empresas de exploração. A cidade tem interesses econômicos em tudo, de alumínio à medicina tradicional, de tecido de poliéster ao setor imobiliário.
"Temos investimentos demais para contar", disse o jovem Wu, diretor-executivo da empresa, que vários sites dizem ser gerenciada por membros da sua família. Ele disse que passa seus dias preocupado com as bolhas de investimento, e polvilha seu discurso com referências de consultoria empresarial adquiridas na Universidade da Califórnia, Berkeley, e de estudos do modelo de negócios da General Electric.
As afirmações de sucesso são difíceis de verificar, porque a receita do grupo e seus lucros não são divulgados de maneira transparente. Relatórios divulgados, mas não confirmados, indicam que o grupo emprega pelo menos 25 mil pessoas, muitas das quais vivem na área urbana de cerca de 30 mil habitantes que existe fora dos limites legais de Huaxi. Um relatório de 2009 em um jornal estatal disse que sua receita anual totalizou 50 bilhões de yuans, cerca de US$ 7,7 bilhões nas taxas de câmbio atuais.
Líderes da aldeia negaram relatos persistentes de que Huaxi se beneficia de significativos subsídios do governo, como empréstimos a juros baixos, embora o jovem Wu tenha dito em uma entrevista que alguns dos empreendimentos da aldeia são financiados por uma dívida que chega a cerca de 60% de seu valor.
Trabalho
Embora cada morador seja obrigado a trabalhar em um negócio em Huaxi sete dias por semana, praticamente todo o trabalho manual é realizado por aquilo que Marx poderia ter chamado de proletariado: milhares de trabalhadores de fora, muitos deles imigrantes, que recebem melhores salários e benefícios na aldeia do que muitos trabalhadores em outros lugares, mas não participam nos lucros de Huaxi. Para isso, é necessário um hukou, ou autorização de residência – e Huaxi as distribui com grande cuidado.
"Isso é chamado de exploração", disse Fei-Ling Wang, um professor da universidade Georgia Tech, que tem estudado Huaxi como parte de uma pesquisa em aldeias na província de Jiangsu. “Como os trabalhadores de fora, por lei, não podem se tornar residentes locais. Eles não podem compartilhar os lucros advindos de seu trabalho. Eles recebem salários, e caso percam o emprego, eles são simplesmente mandados para casa”.
"Se todos os trabalhadores migrantes fossem tratados como membros plenos da comunidade, então Huaxi não iria funcionar", disse Wang.
Os dois Wus aceitam que a vila tem sido incapaz de rejeitar o capitalismo, mas eles insistem que Huaxi atingiu um nível mais elevado de socialismo que a China em geral, e que a utopia é uma questão de tempo. "O desenvolvimento de Huaxi depende do capitalismo e dos negócios", disse Wu pai. Mas o capitalismo é apenas um "estágio temporário". "Eventualmente, vamos construir o socialismo chinês com características chinesas".
Para os 2 mil acionistas de Huaxi, essa pode ser uma distinção sem diferença, desde que os lucros continuem. Wu diz que eles vão continuar: em três décadas, ele insiste, nenhum negócio faliu. Para os cautelosos moradores de Huaxi, ele disse, investir é "como pisar no gelo do mar".
Será que um edifício de 74 andares no meio do nada pode quebrar esse gelo? Não é provável, dizem os Wu: só no ano passado, um dos búfalos do edifício subiu de valor em 70 milhões de renminbis, ou cerca de US$ 10,7 milhões. Esse seria o búfalo destinado ao andar 74. Aquele feito em ouro maciço.
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