Foto: Ricardo Abubakir - um dos ícones do surf da Bahia
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Não dá para saber o ano exato em que as pessoas começaram a descer as ondas no litoral baiano, sabe-se apenas que o surf começou a ser praticado no início dos anos 60, período fértil de criatividade e de muitas mudanças de comportamento na sociedade. Época das revoluções, da ditadura, da contracultura, do surgimento da pílula anticoncepcional e dos rebeldes com causas.
Segundo Lapo Coutinho, que viveu intensamente essa época, "a Bahia era tranqüila, cheia de energia e de vida. Vivíamos preparando os carros para paquerar no Farol da Barra, quando rolavam alguns 'pegas'. A grande pedida era ir ao Porto da Barra para ver as gatas, os artistas da época e o pôr-do-sol na balaustrada. As grandes festas de Salvador eram nos bailes de Carnaval no Bahiano de Tênis e no Yate Club. O Carnaval de rua - que era só na Avenida Sete - e nas boates Anjo Azul, Casa de Pedra, Berro D'água e depois a Maria Phumaça, que literalmente virou fumaça em um incêndio.
Pertencer a uma turma de bairro era um grande sinal de prestígio e a rivalidade entre elas era o combustível de diversas brigas. Dançar coladinho, com calça 'boca de sino', a camisa sem manga e com umbigo de fora, era o que tinha de mais fashion em termos de moda. O futebol do Chopp-Chopp e Alo Beleza no Bahiano de Tênis e depois o Musa, o Santos e o Gute-Gute na Associação Atlética eram as melhores opções esportivas da cidade. O sorvete na Ribeira, o bolinho da Cubana com o maltado, o chopinho no Edifício Oceania, o refresco do Fino Real. Os hippies, os cabelos longos, paz e amor, podes crer, é isso aí bicho, a jovem Guarda e o rock and roll. O início do surf com suas marés de março previsíveis, enormes e consistentes, são coisas que não saem da memória de quem viu o surf nascer na Bahia. Salvador era uma grande família naquela época e toda a classe média se conhecia", nos conta Lapo Coutinho.
Muito antes de chegar a primeira prancha de verdade, a galera já improvisava, inspirada em filmes havaianos. Valia de tudo: portas, troncos de coqueiro, pequenos barcos a motor, câmaras de pneus de tratores, pedaços de isopor, qualquer coisa que boiasse era usada como prancha. Naquela época havia até "fabricantes" por aqui. Alberto Capelotti e Jairo Zolienguer fabricavam e comercializavam pedaços de madeirites colados. O único inconveniente era que não flutuavam. O "atleta" tinha que carregar a "prancha" até o outside e ela só flutuava quando embalava na onda.
Os primeiros a ter uma prancha de verdade foram os irmãos Muller. Sobre a época, Alberto relembra: "A primeira prancha da Bahia foi uma Greg Noll enorme. Quando chegou pesava cerca de 14 quilos. A prancha parecia o corredor de uma casa. Você podia andar bastante em cima dela". Isso foi em 1963. Para ele, o surf na Bahia começou na praia do Corsário. "Era uma aventura. Nós pegávamos o velho Aero Willys de meu pai e íamos 'pranchar' na Praia do Corsário. Íamos, eu e meu irmão Jorge, que tinha uma Kiok de 2,90 m, Zé Luís Couto, Zé Alberto Catharino e Maria Cintra Monteiro, a primeira mulher a surfar na Bahia. De vez em quando atropelávamos um banhista e era aquele sufoco. Baixava a polícia e tínhamos que fugir. Daí ficávamos umas duas ou três semanas sem ir à praia, depois, lá estávamos nós de novo. Naquela época, o surf chegou até a ser proibido em algumas praias do centro, mas depois da Pituba, a polícia nem ia", relembra Jorge.
Nesta época, apareceram as pranchas de isopor, que nós pintávamos em cima e usávamos camisas para não assar a barriga e improvisávamos quilhas de madeira para dar direção e conseguir ficar em pé ou ajoelhado. A galera era composta por Deca, Jorge Chaves, Paulo, Henrique, Lula Aragão, Fernando Bahia, Érico, Frederico, Sallenave, meu irmão Miguel e a galera do Alto da Alegria e do Alto da Sereia, que usavam nossas pranchas emprestadas." conta Lapo.
Em 1965 foi o primeiro grande "boom" do surf, quando várias pessoas apareceram com prancha ao mesmo tempo. "Jorge e Alberto Muller venderam o pranchão para Tourão dando início a turma de Amaralina. No Rio Vermelho, Jorge Hupsel, Câmara e Fredão - este com apenas 10 anos - compraram outro pranchão na mão de um gringo que visitara a Bahia. Também apareceram outros pranchões na Pituba e na Barra. A Praia da Onda era a praia da moda.
Tourão, Jorge e Almir Moraes, Alex Cunha Guedes, Champrão, Leonardo, Carioca, Nazareno, Ernani, Mário e Carlos Suarez, Mário Câmara Filho, Zé Alberto Catharino, Zé Valter, Jorge Hupsel, Roberto Fadul, Tico e Deraldo Fernandez, Fredão, Lapo Coutinho, Zé Estanque, Menandro, Cucá Fernandez, Vevé, Ramilton, Buga e Gueleis, foram a espinha dorsal do surf baiano e criaram um novo estilo de vida", relembra Lapo.
Os principais points dessa época era no Rio Vermelho, a Praia da Onda, Torrefação e Praia da Paciência; na Barra, o Farol, Espanhol e Barravento; na Pituba, o Havaizinho e a Praia das Lavadeiras. Os melhores daquela época eram Tourão, Alex, Jorge Hupsel e Gueleis. A maior dificuldade da galera ainda era a falta de contato com material de ponta, como também a falta de cordinhas, que ainda não existiam, nessa época.
Em 1966 surgiu a primeira fábrica de pranchas da Bahia e do Brasil, a Hati do "seu" Gabriel Moraes e seus filhos Jorge e Almir e o surf na Bahia explodiu.
Os primeiros ídolos do surf começaram a aparecer nessa época. "No início, Zé Alberto Catharino e Alex Cunha Guedes eram considerados por quase todos, os melhores. Alex tinha um estilo mais clássico e mais atirado e Zé Alberto tinha um estilo mais solto, com mais manobras e com pranchas menores. A turma da Pituba puxava para Alex e a do Rio Vermelho para Zé Alberto. Almir, Jorge, Tourão, Zé Valter, Champrão e outros eram superespeitados e considerados big riders pois, quando o bicho pegava, estavam sempre no mar", relembra Lapo.
A Fábrica mais marcante foi a Musa, que trouxe o profissionalismo, tanto em termos de fabricação como também em termos de organização de campeonatos. "O saudoso Juarez, Lapo e Bráulio, proprietários da Musa, foram os primeiros a fazer pranchas boas na Bahia. Juarez era um dos poucos que mais se aproximavam do estilo gringo, tanto no surf como no shaper das pranchas", comenta Hilton Hissa.
Os primeiros eventos de peso do surf baiano foram promovidos pela Musa em parceria com a Sunsurf, uma importante loja de surf, de propriedade de Almeida e Fred Biscaia, que ficava entre a Praia da Onda e a Praia da Paciência. Os eventos aconteciam na Praia do Pescador e vinham juizes do Rio de Janeiro, elevando o surf da Bahia a um dos pólos competitivos do país na época", relembra Lapo Coutinho.
"Em 1972 foi fundada a Associação Baiana de Surf, a primeira associação de surf da Bahia, cujo primeiro presidente foi Nazareno e eu, com apenas 19 anos, fui diretor de eventos. Essa associação realizou um campeonato por ano e o primeiro evento foi em 72, na Praia da Onda, em Ondina, tendo encerrado suas atividades dois anos depois, em 74", conta Carlos Moraes.
Nessa época, apesar de poucos, os campeonatos de surf atraiam muita atenção na cidade. "Depois da Praia da Onda, veio a fase da moda da Praia do Pescador (Aeroclube), para realização de campeonatos de surf. Isso foi motivado pelas excelentes ondas e pela facilidade proporcionada pelo Aeroclube que servia como base de apoio e palanque. Popó Avena, da Pituba, era um dos melhores, principalmente em ondas menores e Celso era um dos melhores quando o mar crescia, inclusive, ganhando o primeiro campeonato com ondas grandes. Foi quando tivemos o primeiro Intercolegial, onde as verdadeiras feras do surf baiano começaram a aparecer. Eram garotos criados por nós e surfavam desde os três anos com pranchas de fibra. Entre vários eventos, tivemos um com uma final inesquecível entre Ricardo Abubakir e Hilton Issa, Rogério, relembra Lapo.
Foi nessa fase que a organização dos campeonatos deu os primeiros passos rumo à profissionalização. "Apos a realização dos primeiros eventos, sentimos a necessidade de criar uma federação, o que foi feito em 76. Nós fundamos a primeira federação de surf do Brasil, a Federação Baiana de Surf. A intensão era conseguir mais status e possibilitar a incorporação da parte comercial ao esporte. Por traz da FBS estava a Sunsurf, que foi a primeira loja de surf da Bahia e era de propriedade de Fred Biscaia e Luís Carlos de Almeida, que era o presidente da FBS. A FBS funcionou muito bem até 79." relata Carlos Moraes.
Nessa época, o surf já era o esporte da moda e muita gente enfrentou a arrebentação para não ficar de fora da onda do momento. "A turma da Pituba era formada pelos irmãos Abubakir, os Moraes, os Fernandez, os Grimaldi, os Havena, os Barrosos, Marcelo Berberth, Guiga, Carloca, Dodge, Fred, Vital, Audi, Sérgio Pará, Negão Lopes, Bosco, Titula, Ivinho, Celso, Tony Villas Boas, Diogo, Adley, Anísio, Lacerda, Flávio, Alberto, Dentinho, Jaquinho. No Rio Vermelho tinha Zé Mário, Jorge, Bob, Maurício, Cako, Duto, Alberto, Sallenave, Cláudio Castro Lima, na Barra Tinha Geo, Kiko, Claude, Júnior, Mário Marola, os irmãos Suarez, Dark, Cláudio, Buriti, Paulo Magulu, Miquita, Bandido, Dimitrius, Cordeiro, Lapa, Paulista, Dirceu, Joãzito, Paulão, Stolz, Corró e Nilsinho, o Kid Morangueira. Muitos desses moravam no centro, mas a Barra era o ponto de encontro dessa galera. No Morro Ipiranga tinha Dudu, Neinho, Luciano Marback, Beto Góes, Maneco e Saback, em Itapuã Sávio, Zuza, Gaúcho - o primeiro kneeboard da Bahia - Guilliam e o pessoal da Musa, Darinho e Roger e muitos deles ainda enaltecem o nome do surf baiano em ondas grandes", relembra Lapo.
Vieram os anos 80, e com eles a primeira grande crise do surf brasileiro. O esfriamento dos campeonatos de surf prejudicou uma geração de atletas talentosos como Guiga Matos, Fábio Resende, Marcos "Boi" Pacheco, Olímpio Batista, Marcos "Nariga", Neidson de Jesus, Ricardo BC, Lessa, Lito Júnior, Ricardo Jones, Rogério Pacheco, Ricardo Abubakir, César Batinga, Manuel Fernandez, Robertinho "de Jandira" Gomes, Cláudio Costela, Vinícius Bucão, Railton Lemos, Dentinho, Samir Silva, Kiko "Dragão", Roger, Joe Silva, Aloísio "Lôro", Fernandinho, Leo, Cláudio Chiarioni (Frippo), Paulo "Paquera", Jairo e os irmãos Guiga, Lesly Scott e Roninho.
Em 1981 foi legalizada a Associação de Surf de Salvador, a ASS, cujo presidente fundador foi Cly Loile. A ASS foi a 1ª associação com documentação registrada e a 1ª a captar patrocínio de grande empresas privadas a exemplo do Banorte e a conseqüência foi de melhores eventos.
Esses eventos, na minha opinião, fizeram revitalizar o surf baiano em nível de organização. Foi a partir deles que o pessoal começou novamente a pensar em organizar campeonatos de surf na Bahia. Vale a pena destacar também o trabalho de cobertura dos jornais 'Qual o Lance', da Marcinha Brandão e 'Expresso do Surf', de Tadeu Abelha, que na minha opinião, foram fundamentais para a revitalização do surf naquele período negro", revela Guiga Matos.
No final da década, mais precisamente a partir do I Bahia Pro Contest, realizado em 87, o surf tomou um novo rumo, desta vez, impulsionado por pessoas que queriam surfar e não estavam nem aí para o que acontecia com as manias e modas da juventude brasileira. Veio a era do profissionalismo, quando aconteceram, na Praia de Stella Maris, as primeiras etapas do Circuito Brasileiro Profissional, que aconteciam pela primeira vez, com a Bahia fazendo parte do calendário, com o Fico Surf Festival.
O Fico Surf Festival, patrocinado por uma empresa de surfwear paulista, teve a maior estrutura de palanque que contava, inclusive, com arquibancada já vista em um campeonato de surf na Bahia e no Brasil.
Guiga Matos lembra que "na Rádio Transamérica, tínhamos um programa sobre o surf local com a apresentação do querido Emerson José hoje vereador da nossa cidade"
Em 88, Jojó de Olivênça ganhou o primeiro título de Campeão Brasileiro para a Bahia. "Naquela época o estado tinha muitos valores e se outros atletas, como o próprio Olimpinho, que hoje está conseguindo bons resultados no longboard nacional, estivessem ido morar na região sul, que tinha a maioria dos campeonatos, sem dúvida, seria um dos maiores destaques do surf brasileiro, hoje em dia. Quem sabe até mais do que Jojó", afirma Guiga.
Em 1989, Tatiana Goulart praticamente reativou a Associação de Surf de Salvador (ASS) e organizou o primeiro Circuito Baiano de Surf Profissional, com a entidade sendo reconhecida pela ABRASP (Associação Brasileira de Surf Profissional) como a representante do surf baiano e responsável por indicar o campeão baiano profissional. O título de Campeão Baiano de Surf Profissional passou a ser decidido não mais em um único evento. Olímpio Batista, o Olimpinho, de Amaralina, levantou o caneco e se tornou o primeiro Campeão Baiano de Surf Profissional.
Hoje o surf baiano é um esporte organizado, com a sua Federação funcionando em perfeita harmonia com as associações e promovendo competições de âmbito local e Nacional, tendo inclusive como resultado da sua história o campeão mundial Armando Daltro (Mandinho).
Informações: http://guigamatos.multiply.com/journal/item/1/1
2 comentários:
Vixe. Turismólogo, é melhor vc se atualizar quando for copiar o texto inteiro de outro site. Olimpinho infelizmente já faleceu. Isso aconteceu em 30 de outubro de 2006, falou? Forte abraço!
P.S.: O texto é legal demais. Parabéns a Guiga Matos, com que tive a oportunidade de conviver na Uniclubes.
Caro Henrique,
Agradeço e ao mesmo tempo lamento a informação, uma pena o falecimento. Esclareço que, como de praxe, está o endereço do blog o qual foi copilado a informação. Assim como você, tive a oportunidade de conviver com vários dos que são citados no texto. Que é primoroso e muito fiel a realidade, por isso postei. Como diz Milton Nascimento: 'A hora do encontro
É também, despedida' - e nunca podemos adivinhar o momento em que nos encontramos e nos despedimos. Abraço,
Eliane
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