"Aquela poderia ser mais uma manhã como outra qualquer. Eis que o sujeito desce na estação do metrô. Vestindo jeans, camiseta e boné, encosta-se próximo à entrada, tira o violino da caixa e começa a tocar com entusiasmo para a multidão que passa por ali, bem na hora do rush matinal. Mesmo assim, durante os 45 minutos que tocou, foi praticamente ignorado pelos passantes. Ninguém sabia, mas o músico era Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, executando peças musicais consagradas num instrumento raríssimo, um Stradivarius de 1713, estimado em mais de 3 milhões de dólares. Alguns dias antes Bell havia tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam a bagatela de 1000 dólares.
A experiência, gravada em vídeo, mostra homens e mulheres de andar ligeiro, copo de café na mão, celular no ouvido, crachá balançando no pescoço, indiferentes ao som do violino. A iniciativa realizada pelo jornal The Washington Post era a de lançar um debate sobre valor, contexto e arte. A conclusão: estamos acostumados a dar valor às coisas quando estão num contexto. Bell era uma obra de arte sem moldura. Um artefato de luxo sem etiqueta de grife.
Esse é um exemplo daquelas tantas situações que acontecem em nossas vidas que são únicas, singulares, e a que não damos a menor bola porque não vêm com a etiqueta de seu preço. A boa notícia é que pela primeira vez na história temos a chance eu, você e quem mais quiser de definir o que tem valor real para nós, independenteente de marcas, preços e grifes. Não é mais um luxo o que o mercado diz que você deve ter, sentir, vestir ou ser. O luxo se relativizou, cada indivíduo o percebe a seu modo. Quer ver?
Sabe quando você faz algo que lhe dá um prazer danado, mas que acontece aqui e ali, bem raramente, e que por isso mesmo traz uma sensação de felicidade que transborda só de pensar? Pois a experiência única, que evoca esse estado de espírito, é o tal luxo para chamar de seu. Ele ganhou um conceito mais flexível, que se desvincula do valor das cifras dos produtos e se aproxima das experiências subjetivas, um luxo emocional, afirma o psicanalista Jorge Forbes. Numa pesquisa rápida, descobri que, se para meu vizinho um luxo é chegar mais cedo do trabalho para cair na farra com os filhos, para a chefia é conseguir almoçar sossegado em casa e para a colega aqui ao lado é não ter hora para acordar simplesmente um luxo!
Objetos de luz
Essa não é a primeira vez que o luxo deixa de ser sinônimo de vida abastada, riqueza, extravagância e outros frufrus. Ele é tão antigo quanto a própria história da humanidade e em sua origem estava ligado aos rituais que as sociedades primitivas faziam para suas divindades. Acreditavam que iriam comover os deuses com coisas que não eram costumeiras, e que através dessas oferendas, danças e comidas especiais conseguiriam a luz para se orientar. Esses objetos que extrapolavam o cotidiano, veja só, passaram a se chamar objetos de luz, objetos de luxo. Antes de ser uma marca da civilização material, o luxo foi uma característica do ser humano em busca da transcendência, da sua não-animalidade, diz o filósofo francês Gilles Lipovetsky, co-autor do livro O Luxo Eterno.
E foi assim até o fim da Idade Média. No início do Renascimento o luxo perde sua aura sagrada, ganhando ares materialistas. Surgem os objetos de luxo suntuosos e exclusivos para as cortes aristocratas. Com a revolução burguesa e o início da sociedade de consumo, os objetos de luxo servem para distinguir as classes sociais. Feitos para dizer: eu tenho o que você não tem. Um tipo de luxo que se acentuou na era industrial e serviu de estímulo para as empresas se desenvolverem com produtos cada vez melhores e mais sofisticados. Uma sociedade hierárquica, com padrões universais de comportamento. Então veio a recente globalização, que botou tudo de cabeça para baixo. E as pessoas ficaram mais autônomas para gerir sua vida a partir de valores pessoais. Se hoje não existe mais um padrão de gostos, perde o sentido ter objetos de luxo para impressionar os outros, diz Dario Caldas, da agência de tendências Observatório de Sinais.
Isso não significa que o luxo tradicional esteja em declínio, muito pelo contrário. Ainda povoa nosso imaginário e dita a vida de muitos que sonham com a trilogia champanhe-charuto-golfe. Os dados estão aí para comprovar: é um setor econômico mundial da ordem dos 400 bilhões de dólares por ano, um mercado em ascensão, que só no Brasil cresceu 32% no ano passado, segundo pesquisa do instituto GFK Indicator.
O que mudou é que, com esse conceito de luxo expandido, ele deixa de ser restrito aos ricos. E isso não é papo de auto-ajuda para os menos endinheirados. Fui tirar a prova com Carlos Ferreirinha, um dos maiores especialistas do segmento de luxo no Brasil. Ele explica que existe até um apelido para isso no mercado: o novo luxo. O importante é que ele mantém a característica básica do luxo: aquilo que é raro, escasso, exclusivo, ou seja, tudo o que não é comum nem usual mas agora não necessariamente material, diz.
Taí o mapa da mina: o próprio indivíduo tornou-se a medida do luxo. Mas, cá entre nós, como descobrir esse novíssimo luxo? Faça este exercício: anote tudo que tem alto valor emocional e que lhe é raro. Pode ser tomar um cafezinho num lugar que você adora, mas aonde não consegue ir sempre, sair do trabalho com o sol ainda raiando no céu, lagartear sem fazer absolutamente nada. Tudo o que é difícil de realizar com o estresse da vida moderna pode ser um luxo, diz Ferreirinha. Eu não resisto e pergunto e qual o seu maior luxo? Esperava ouvir carros, iates e quetais como resposta. Sou aficionado por cinema e gostaria de ir pelo menos uma vez por semana, na sessão da tarde. Quando consigo pegar um cineminha, a experiência é única, diz. Bem, se somos o mapa da mina, o tesouro é este: recuperar o luxo que nos eleva do ter para o ser, da aparência para a essência, trazendo de volta seu antigo valor, de sacralizar momentos, torná-los divinos.
E para você? O que é um luxo? Ou melhor, o que lhe é raro e especial? Selecionamos cinco segmentos do luxo tradicional, mas vistos pelo prisma desse novo luxo, para ampliar sua reflexão. E para ajudá-lo a viver a dolce vita.
Roupas de grife
O corpo sempre foi a vitrine do luxo. E os trajes funcionaram, no decorrer da história, para demarcar posições sociais. Tanto é que a origem da palavra investimento é correspondente ao termo italiano investito, isto é, o investimento de valores fazia-se nos vestidos, nos trajes da época. Mas hoje não é mais assim. Não há um tipo de roupa que faça a diferenciação social, e sim as marcas de roupas, com seus precinhos salgados a tiracolo.
As grandes marcas são o carro-chefe, ou melhor, a limusine do segmento de luxo. A palavra marca em inglês se escreve brand, e vem de brandon, que é o instrumento empregado para marcar o gado a ferro quente. Acontece que, se antes as indumentárias marcavam os grupos sociais, como gado, esse comportamento mudou na contemporaneidade. Existe uma democratização da moda e ela não tem mais esse papel forte de distinção social. Hoje até a classe alta usa o que quiser, diz Ferreirinha. Há um movimento de popularização das marcas de luxo, seja porque estas lançam cada vez mais artigos acessíveis (perfumes e acessórios) e fazem parcerias com magazines, seja pela famosa indústria de cópias falsificadas.
Segundo outro expert no assunto, Gabriel Pupo Nogueira, fundador do Taste, um portal na internet para o consumidor de alto padrão, a moda não tem mais todo esse requinte, mesmo para pessoas mais abastadas. Um exemplo vem da pessoa mais rica do mundo: Bill Gates não usa ternos nem gravatas Armani, não faz a menor questão de transmitir glamour. Anda de calça jeans e camisa. É um comportamento mais informal, despojado , diz Gabriel.
Hoje a responsabilidade social está incluída no repertório das preciosidades. Trabalhos manuais feitos por artesãos e comunidades, ou ainda produtos que levam em conta a sustentabilidade, trazem um diferencial. O feito a mão é valorizado pela exclusividade da pequena produção, diz a professora Kathia Castilho, organizadora do livro O Novo Luxo. São tecidos pela criatividade da mão humana e não pela precisão da máquina, e suas tramas vêm com história."
Fonte: Vida Simples
Nossa opinião: O texto é um luxo! Por mais que o consumismo insista em associar o luxo a símbolos de posição social e a produtos caros, o luxo nada mais é do que uma experiência emocional, onde apenas precisamos nos sentir bem.
Um luxo: o pôr do sol da foto acima!! Praia de Ponta Grossa/Ceará
Um comentário:
meu luxo é ir ao cinema dia de semana a tarde. Bom texto para ser usado em sala de aula.
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