sábado, 3 de maio de 2008

Turismo Religioso


Turismo Religioso: uma breve apresentação
Christian Dennys Monteiro de Oliveira
A primeira idéia que se tem ao mencionar o termo Turismo Religioso é de que seu usuário pretenda tão somente fazer um trocadilho com duas noções que se defrontam. Afinal, de que maneira os aspectos ditos “profanos” do universo turístico – lazer, prazer, entretenimento e descontração – podem compor uma atividade cheia de obrigações espirituais ou “sacrifícios” como um fenômeno religioso?
Essa primeira impressão, para definir o tipo de viagem que nasce de diferentes motivações religiosas, constrói-se a partir de uma “natural” visão dicotômica ou dualista. Digo “natural” na medida em que aprendemos, com a educação positivista, a reconhecer conceitos imediatamente por um mecanismo de sim/não; um sistema binário de relações. Por conseguinte, pode-se negar o turismo religioso com o simplório pré-conceito: quem vivencia o fenômeno religioso não pode estar fazendo turismo. Logo, se viajo por motivações turísticas, para lugares turísticos, utilizando-me de serviço turísticos, não exerço compromisso religiosos. A não ser que...E assim começamos a apresentar uma conceituação, de raízes históricas e escala planetária, capaz de ultrapassar essa dicotomia vulgar para representar dimensões múltiplas das culturas humanas contemporâneas. Continuando a frase acima, temos um Turismo Religioso, a não ser que a própria realidade religiosa – a manifestação pública e coletiva da fé, - absorva bases e estruturas do fazer turístico. Chamamos isso de Religiosidade Turística. Uma definição talvez mais incômoda para se popularizar; porém muito mais operacional para compreensão das características essenciais da formação e crescimento do Turismo Religioso, em tempos recentes.O Turismo Religioso não é, necessariamente, um turismo feito por religiosos, místicos, santos populares, devotos e sacerdotes/profissionais de qualquer credo ou confissão religiosa. O adjetivo religioso deve ser reconhecido em sua amplitude espiritual e metafísica, embora esteja perigosamente comprometida com a perspectiva cristã – responsável pela sistematização desse significante, no universo do Império Romano e da Igreja Católica. Portanto, a correta definição para esse tipo de turismo encontra-se num exercício aproximativo. Trata-se de um fazer turístico capaz de manifestar algum dado de religiosidade. E é exatamente na religiosidade – no ato popular de professar o sistema de crenças chamado de Religião – que o Turismo Religioso pode ser comparado às peregrinações e romarias aos lugares sagrados, em momentos também sagrados.Mas até que ponto uma peregrinação a Benares (no hinduismo), a Meca (no Islamismo), à Santa Sophia (na ortodoxia cristã) ou a Jerusalém, pode ser considerado um fenômeno turístico? Não estaria havendo aí uma mistura ou confusão entre o visitante motivado pelo mistério religioso (o peregrino) com aquele interessado apenas na materialidade cultural desses eventos ou localidades? Efetivamente, sim: há mistura e con-fusão, mas exclusivamente provocada pela própria realidade complexa da visitação religiosa. Até em Fátima tenta-se resolver o impasse com o seguinte aviso ao visitante, no portal de entrada do Santuário: Aqui termina o turista e começa o peregrino. Em outras palavras: troque sua personagem; mas saiba que o ator continuará o mesmo.Por esta razão, entende-se aqui ser mais sensato não ignorar que o Turismo Religioso seja, ao mesmo tempo, uma forma indiscutível de turismo e uma manifestação evidente da religiosidade contemporânea, em diferentes sociedades.Percebe-se nos últimos anos o aumento sistemático do debate sobre questões religiosas. Debate esse motivado por uma série de fatores convergentes para uma espécie de “renascimento do sagrado”. Tais fatores são, em nível internacional: os conflitos no mundo islâmico (bem com o crescimento geométrico desta religião monoteísta), o esgotamento dos recursos ambientais, as crises econômicas e sua associação global com a redução dos investimentos sociais, a derrocada do socialismo como alternativa política global, o crescimento do terrorismo, entre outros. E, no Brasil especificamente, o reconhecimento prático de que a democracia, a urbanização e os meios de comunicação selaram, de uma vez por todas, a separação entre cidadania e catolicismo. O que permitiu contraditoriamente um aumento da tolerância e da concorrência entre diferentes credos. Era afinal o nascimento de um mercado religioso pulsante, fortalecendo em distintos rituais e estratégias de manutenção/expansão. Sem dúvida, o Turismo Religioso representa mais uma dessas estratégias.Vale lembrar alguns episódios atuais relevantes. Nunca tivemos tantos religiosos beatificados pelo Vaticano – Anchieta, Frei Galvão, Madre Paulina – e tantos santuários católicos (oficiais ou populares) sendo expostos nos meios eletrônicos de comunicação. Pelo movimento protestante, nunca foi tão farta e ostensiva a presença de casas de culto das mais variadas denominações evangélicas. Além da paisagem urbana, rádios, jornais, televisões, internet, multiplicam os valores da vida religiosa, como fenômeno de massa. Os espiritismos (kardecista, umbandistas ou orientais) ganham nova força sincrética, graça ao boom de misticismo da Nova Era e o intercâmbio cultural da virada do milênio. Virada esta, por si só, um período especial para motivar exercícios de fé e busca ritual. Está aí o consumo global das festividades natalinas, transformadas em evento turístico-religioso internacional: o ecumênico révellionEsse panorama de incentivo ao Turismo Religioso não poderia passar desapercebido pelos estudiosos e planejadores da área. Mas era o que vinha acontecendo na medida que, via de regra, as análises sociológicas das motivações turísticas fixavam-se, exclusivamente, nos aspectos da renda e do entretenimento, voltados ao lazer. E se religião não é lazer, não se pode afirmar que a religiosidade não o contenha. No campo da religiosidade, temos sim uma permanente reconstrução práticas e valores. Por isso, fazer Turismo Religioso é fazer visita e, portanto, comprometer outra viagem, outra estada, outro patamar de aproximação ao sagrado.A densidade desses aspectos que reúnem, num só evento, raízes históricas das peregrinações religiosas, costumes rituais nos locais de destino (santuários e festas) e a gestão dos equipamentos e atrativos correlatos tem provocado a reflexão acadêmica e operacional de novos estudiosos. Só em 2003, foram editadas, no Brasil, três publicações especificas sobre o assunto. Turismo Religioso, da série Desenvolvendo o Turismo-Volume 9- Edição Sebrae, de Vânia Beatriz Florentino Moletta, com caráter mais técnico e direcionado as localidades e empreendimentos interessados nos possíveis ganhos do setor.
Os demais são Turismo Religioso: Ensaio e Reflexões, organizado por Reinaldo Dias e Emerson Silveira e publicado pela Editora Alínea e Turismo Religioso: Ensaios Antropológicos sobre Religião e Turismo, organizado por Edin Abumanssur e publicado pela Papirus Editora (1). Conforme os próprios títulos, trazem estudos de diferentes autores e perspectivas para contribuir na sistematização de um ramo tão recente nas preocupações dos cientistas humanos. Neste ultimo, encontra-se um artigo de nossa autoria – Turismo Monumentalidade e Gestação: as Escalas da Visitação Religiosa Contemporânea – no qual reafirmamos operar o Turismo Religioso em dimensões metropolitanas, isto é globais e locais, factuais e simbólicas, sagradas e profanas.
O Turismo Religioso, na lógica cultural da visitação e da comunicação, é capaz de compatibilizar, no mesmo meio, o peregrino ecoturista e o romeiro excursionista. É isto vivência da religiosidade turística. Pois ambos são capazes de multiplicar significados para um mesmo atrativo, por mais repulsivo que tal atrativo possa parecer, aos olhos de alguns. Afinal, não há uma estética tão agradável assim na Passarela da Fé em Aparecida (SP); na Corda do Círio em Belém (PA) ou no Templo de Tia Neiva (DF). Mesmo nas cidades de Nova Trento (SC); Bom Jesus da Lapa (BA); Canindé ou Juazeiro do Norte (CE), não se consegue estabelecer essa conexão entre paisagem e fé.
A prática do visitante religioso, no local, é múltipla e diferenciada. Basta imaginar a excursão de uma comunidade de bairro para uma das praias do litoral paulista, num fim de semana. Nem todos que vão à praia, vão só pela praia em si; e não é sempre que “praia” é sinônimo de beleza. Algo relativamente semelhante acontece com uma visita motivada pela fé. A partir dos “pretextos” fé/penitência/culto, realizam-se encontros, compras, divertimentos, exercícios de saúde e educação, etc, além da renovação mística. Superando o simples mecanicismo da “satisfação das necessidades”. No Turismo Religioso, o atrativo é verdadeiramente um pretexto. Não adianta caracterizá-lo em uma conexão pré-concebida.
A dita conexão, portanto, não é automática nem natural. Requer estudos metodologicamente elaborados. Requer investigação dos lugares (emissivos e receptivos) nas variantes de diferentes enfoques. Requer disposição para o manuseio da complexidade que, literalmente, não se encerra em um “lugar comum”.
Os lugares do Turismo Religioso são especiais. São Santuários (2). Podem ser naturais, metropolitanos, oficialmente sagrados ou festivamente profanos. Mas refletem este especial – que chamamos de sagrados, de energia ou fé – que levamos como turistas e podemos, de repente, reencontrar.

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