sábado, 3 de maio de 2008

Fortaleza 282 Anos, por Prof. Borzacchiello, uma REALIDADE


Fortaleza, 282 anos
José Borzacchiello da Silva
19/04/2008
Mais um ano de vida na trajetória de nossa Fortaleza. Da pequena vila inexpressiva de 1726 à metrópole contemporânea, nossa cidade atravessou diferentes fases. Sobrou pouco da velha Fortaleza. Dos momentos de fausto como os vividos no período áureo do algodão, herdamos um legado de qualidade. Dele destacamos o opulento Theatro José de Alencar. A cidade atravessou fases duras de penúria e miséria, sendo a seca de 1932, dentre outras, marcada pela chegada de levas e levas de flagelados. Data desse período a formação de nossas primeiras favelas. Chegamos aos 282 anos com a certeza que um descuido generalizado resultou na negação de marcas simbólicas representativas do passado. Sabe-se que a permanência de traços que atravessam o tempo é fundamental na imagem de uma cidade. É a sua própria face que se expõe, se institui garantindo sua identidade. O tempo acumulado em hábitos e paisagens, revelados no espaço atesta a densidade histórica de uma dada comunidade. A avidez pela modernidade produz cidades extremamente semelhantes em seu perfil urbano. Torres vítreas com brilhos e reflexos, letreiros gigantes com marcas globalizadas fazem as cidades parecerem uma só. No comércio essa característica ganha mais expressão. Fortaleza incorporou o ideal dos centros modernos de compra, planejados e apartados dos centros tradicionais. Especialistas dedicados à identificação de espaços diferenciados, atribuem a esses centros e outros equipamentos comerciais instalados em grandes superfícies, a denominação de "não lugar", ou seja, espaços que devido às suas características, não se tornam referências identitárias, ao contrário, seus atributos principais são o uso de materiais pré-fabricados, de linguagem universal, assepsia, segurança, luminosidade excessiva, camuflagem do tempo ou seja , ausência do relógio em muitos casos. A combinação desses elementos provoca pouca variação entre esses estabelecimentos, independente de sua localização no país ou no mundo. Eles são programados para que seus usuários esqueçam a noção de tempo e se entreguem, sem culpa, aos prazeres do consumo.
Nesta perspectiva, Fortaleza seguiu direitinho a regra estabelecida inserindo-se no rol dos mercados globalizados. Ainda bem que essa onda que pasteuriza tempo e espaço não desfigurou totalmente a cidade. O Centro e alguns bairros apresentam vestígios de permanência de nossa cultura, entrecruzando o velho e o novo, garantindo a presença de traços fortes característicos do modo de ser e de viver bem cearenses. Nos bairros mais distantes as cadeiras insistem em ocupar as calçadas. Apesar de todas as mazelas, ainda é muito bom ir ao Centro da cidade e se emprenhar no meio da multidão ouvindo o burburinho das ruas e constatar o interesse de muita gente por produtos que revelam um Ceará, culturalmente, profundo. Entretanto, muitos viram a cara diante de traços típicos de nossa cultura. Onde comprar ervas e raízes? E as churrasqueiras improvisadas, de confecção simples, grosseiras e funcionais? Esse artesanato atende a uma grande demanda do cotidiano de nossa gente. Lamento que pouco a pouco, os jovens perdem nossas referências. Sua convivência é prejudicada pela excessiva descaracterização da paisagem edificada da cidade. Eles são atraídos pelo novo. Os centros planejados de compras imitam, mas não reproduzem acidade em sua essência. Suas "praças de alimentação" estão distantes da velha praça, local de encontros, de trocas, de solidariedades.
Nesses 282 anos, a Fortaleza do Bode Ioiô, a cidade que "vaiou o sol na Praça do Ferreira", que adora jogar "conversa fora" nas esquinas, nos bancos de praça, que gosta de "bater uma pelada", demarca seu território. É muito interessante observar entre nossos traços, mesmo alguns negados pelos mais sofisticados e chiques, fundamentais, entretanto, na construção de imagens e perfis urbanos de Fortaleza. Experimente comparar nossas duas praças mais conhecidas, a do Ferreira e a Jose de Alencar. Apesar de toda mudança que a cidade experimenta, elas continuam garantindo uma "cara da cidade", que muitos não querem esquecer.
A José de Alencar sem os círculos de pregação religiosa, sem o "homem da cobra", sem o " "quebra coco com a cabeça", sem o "homem do pó de broca" e o do "chá de boldo", sem as cigarreiras, não seria a mesma praça. Imagine a do Ferreira sem os grupos de aposentados, sem as moçoilas segurando as saias que a forte brisa insiste em levantar. Ainda bem Fortaleza, que num quadro de muitas dificuldades, você consegue chegar aos 282 anos garantindo lugares únicos que atestam sua trajetória e garantem sua identidade. Meus parabéns!
José Borzacchiello da Silva - Geógrafo e Professor da UFC

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