No próximo dia 22, depois de aterrissar no Aeroporto Antonio Carlos Jobim e desfilar de Papa Móvel (ou voar de helicóptero) até o Palácio Guanabara para participar de uma cerimônia de boas-vindas com a presença da presidente Dilma Rousseff, do governador Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes, o Papa Francisco será recebido com pães de queijo dourados — feitos com polvilho azedo e assados em forminhas de empada — na Residência Assunção, onde ficará hospedado durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), no topo da Estrada do Sumaré.
s quitutes do lanche serão preparados pelas irmãs do Instituto Nossa Senhora do Bom Conselho, que cuidam, desde 1986, do Centro de Estudos do Sumaré, anexo à Residência Assunção. O 226º Papa da Igreja Católica Apostólica Romana dispensou o glamour dos pratos elaborados pelos cozinheiros do Hotel Copacabana Palace — que já tinham até vistoriado a cozinha do Sumaré — e optou pela simplicidade das receitas das freiras. A 15 dias da visita, o cardápio ainda não está fechado. Mas sabe-se que arroz, feijão, farofa (incrementada com azeitonas, ovos, cebola e uma pitada de leite) e um suculento medalhão de peru serão servidos à mesa de Francisco.
— Vimos na internet que, como bom argentino, ele gosta de churrasco e que o seu fraco é sorvete — comenta a irmã Tereza Fernandes, responsável pela operação cotidiana da propriedade que pertence à Arquidiocese do Rio de Janeiro e é fechada ao público.
A estadia do Papa na cidade vai durar apenas uma semana, mas os preparativos dos mínimos detalhes — do que ele vai comer a cada refeição, passando pela toalha que vai se enxugar, até as plantas que vão colorir o jardim — estão sendo planejados, às pressas, desde março, quando a fumaça branca saiu pela chaminé da Capela Sistina. Isso porque o luxo do cerimonial até então organizado para receber Bento XVI teve quer adaptado aos hábitos mais modestos do novo Pontífice.
O Papa fará as refeições no refeitório do Centro de Estudos, um amplo salão composto por 22 mesas retangulares cercadas por janelões de vidro que deixam à mostra a exuberância de mangueiras, abacateiros e eucaliptos da Floresta Tijuca. Francisco, que quando eleito pelos cardeais no conclave abdicou do trono papal, vai usar uma das 120 cadeiras de madeira com estofado aveludado vermelho — assim como qualquer participante dos retiros espirituais que ocorrem no local ao longo do ano.
No dia a dia, o Centro de Estudos, construído na década de 1970 por Dom Eugenio Sales (1920-2012) para debater religião, política e segurança, entre outros assuntos, fica sob os cuidados de irmã Terezinha, outras duas freiras e uma noviça. Para cuidar do Papa, elas vão ganhar reforço de 15 irmãs da congregação, que virão de Maricá. Uma vai montar a mesa do Papa, outra vai trocar as toalhas do Papa, uma terceira vai arrumar a cama do Papa.
— Vamos dividir bem as tarefas para todas ficarem felizes. Afinal, todo mundo quer fazer alguma coisa para o Papa — sorri Terezinha, 46 anos, 23 de Sumaré, que já serviu o almoço de Bento XVI quando ele ainda era o cardeal Joseph Ratzinger, em 1990, e arrumou os aposentos de João Paulo II, em 1997.
A experiência não ameniza a expectativa:
— Minha ansiedade é maior do que eu.
Reformas já duram três meses
Construída entre 1945 e 1950 por Dom Jaime de Barros Câmara (1894-1971), em estilo colonial, a Residência Assunção está há três meses em obras. Os sistemas hidráulico e elétrico foram trocados. As paredes da área interna receberam algumas demãos de tinta creme. Semana passada, os pintores davam os últimos retoques nas portas das sete suítes, azuis por fora e brancas por dentro.
— A porta do Papa é enorme! Tem uns 2,5 metros de altura. Deu muito trabalho para fazer essa pintura. Estou até com dor de cabeça — reclamava um operário, na tarde da última segunda-feira.
— Relaxa, quando o Papa chegar ele vai te abençoar — um colega o consolou.
No total, 60 homens se revezam em turnos para tocar a obra.
— Estamos dando uma repaginada geral. Já restauramos os lustres de cristal e agora só falta instalar os aparelhos Split, com ar quente e frio — enumera o urbanista Luiz Otávio Lins de Souza, coordenador da reforma da Residência.
Na reta final, o trabalho é frenético.
— Estamos fazendo em três meses o que demoramos cinco anos na recepção de João Paulo II — comenta Terezinha.
Há duas semanas, ela ficou radiante com a doação de um carregamento de orquídeas para amarrar nos troncos das árvores:
— Olho para elas todos os dias e peço para estarem lindas quando o Papa chegar.
No pátio interno da casa colonial, haverá ainda mais orquídeas, além de antúrios, lírios da paz, costelas-de-adão. Planejado pela paisagista Maritza de Orleans e Bragança, o jardim de inverno é inspirado nos “Exercícios espirituais” de Santo Inácio de Loyola, que em 1540 fundou a Companhia de Jesus, a ordem dos jesuítas — Francisco é o primeiro Papa jesuíta da História.
— Os “Exercícios espirituais” são divididos em quatro semanas, representadas nos quatro cantos do pátio de 36 metros quadrados — explica Maritza, que teve o Padre Josafá, reitor da PUC-Rio, como orientador. — Padre Josafá sugeriu a inclusão de algumas plantas e, então, fui encontrar Dom Roque, bispo auxiliar do Rio, para lhe entregar o projeto, que seria avaliado entre outros. No dia seguinte, soube que o meu havia sido escolhido.
Desde então, Maritza subiu inúmeras vezes a inclinada Estrada do Sumaré, que tem acesso pelo Alto da Boa Vista ou por Santa Teresa, para cuidar do jardim localizado a 700 metros de altitude, onde mal pega o celular. A primeira parte é composta por plantas brancas, verdes, roxas e tem um banco de granito. Na segunda, há flores coloridas e palmeiras-laca (os troncos vermelhos simbolizam o sacrifício de Jesus). Na terceira, coroas-de-cristo. Na última, lírios da paz. Todas as plantas utilizadas são tropicais:
— A proposta foi criar um recanto onde o Papa desfrute um pouco a natureza.
Será praticamente um milagre se o Papa conseguir desfrutar de todos os presentes que a Arquidiocese do Rio está recebendo por conta da visita. Ainda não é possível calcular o montante financeiro arrecadado em doações, mas estima-se que a Jornada terá o custo total de R$ 350 milhões (dinheiro público, doações e patrocínios). E sabe-se que gente à beça ainda quer fazer algum agrado a Francisco em sua primeira viagem internacional. A mobilização de uma cidade à espera do Sumo-Pontífice, pelo visto, é de praxe. O filme “O banheiro do Papa”, de César Charlone e Enrique Fernández, por exemplo, retrata a saga dos moradores de Melo, cidade uruguaia na fronteira com o Brasil, tentando faturar algum com a visita de João Paulo II.
Por terras cariocas, não param de pipocar empresas querendo se promover às custas do Papa. Entre tantas informações desencontradas, no quesito comes e bebes, a Arquidiocese confirma, até agora, que o vinho oficial será o Salton Talento 2007 e que os quitutes do camarim nos palcos do Leme e de Guaratiba serão preparados pelo Buffet Monique Benoliel — a chef vai investir num menu à brasileira, com espetinhos de queijo coalho, água de coco, suco de caju, beijinho e musse de goiabada.
Nos bastidores da Cúria, dizem que a profusão de notícias (verdadeiras ou falsas) de socialites envolvidas no evento teria irritado alguns organizadores. Mas será que todo mundo quer tirar uma casquinha do Papa?
— Nem todo mundo — responde Dom Roque, bispo auxiliar do Rio, responsável pela hospedagem do Pontífice. — Todo mundo está querendo ajudar. Existe uma contrapartida, mas não é exatamente um jogo de interesses. Não dá para generalizar. Há pessoas que estão doando quantias em dinheiro, mas fazem questão de se manter anônimas. Agora estamos no momento de receber o que chamamos de operários de última hora. Um loja de móveis, por exemplo, acabou de doar os sofás para a sala do Papa e vamos iniciar a montagem.
Enquanto isso, o verdadeiro banheiro do Papa já está novinho em folha: o antigo revestimento de azulejos foi substituído por porcelanato no piso e mármore branco nas paredes; a cortina de plástico do boxe foi trocada por blindex; e a banheira saiu de cena para ampliar o ambiente. Francisco vai usar toalhas, pantufas e roupões brancos feitos sob medida para ele na Trousseau.
— Fizemos a linha de cama e banho do João Paulo II e tivemos o maior prazer em fazer para o Papa Francisco. Mas agora as toalhas e os lençóis não terão a pompa e a circunstância de 1997 — conta a empresária Adriana Trussardi.
Francisco abriu mão do bordado do Vaticano nas peças, mas, por uma questão de protocolo, a Trousseau imprimiu o símbolo da Arquidiocese do Rio no enxoval. Ao todo, serão sete toalhas de banho, sete de rosto, três tapetinhos, dois chinelos, dois roupões, três jogos de lençol e um cobertor.
— O Papa pediu que tudo fosse o mais simples possível, tudo o que uma pessoa comum poderia ter. Até o tamanho das toalhas é padrão — ressalta Adriana.
Móveis do século XIX na biblioteca
Localizada no segundo andar da Residência Assunção, a suíte do Papa tem vista privilegiada da cidade, da Zona Norte à Zona Sul. A ambientação dos aposentos será uma mescla do acervo da casa — do moveleiro português Leandro Martins — com 16 peças fornecidas pelo antiquário Arnaldo Danemberg. O Pontífice terá uma biblioteca, com um par de estantes em carvalho, mesa em nogueira e poltronas em mogno. Todo mobiliário é europeu, do século XIX.
— São peças de caráter citadino, que combinam com a Residência Assunção e com o estilo do novo Papa. É um mobiliário sóbrio, de requinte, simples sem ser simplório — define Arnaldo.
O antiquário comprou metros de linho cru, na Casa do Linho, em Jacarepaguá, para forrar as cadeiras e poltronas que o Papa vai usar.
— O linho denota suavidade, formalidade e austeridade. Se fôssemos receber Bento XVI, teríamos que usar, no mínimo, um brocado — comenta.
Diante da já famosa imprevisibilidade de Francisco, a Arquidiocese está com um plano B sendo traçado, caso ele prefira dormir em um dos 70 aposentos do prédio do Centro de Estudos.
— Estamos preparando ambientes para o Papa se sentir em casa. O quarto da Residência Assunção está sendo montado, mas não vou ficar surpreso se ele preferir dormir no Centro de Estudos. No segundo caso, será um quarto de retiro, com uma cama, um armário, um crucifixo e um quadro de Nossa Senhora — detalha Dom Roque.
Caso Francisco escolha ficar num dos dormitórios do Centro de Estudos, terá que ficar atento à fauna local.
— O único problema das dependências do Centro de Estudos é que os macacos-prego entram nos quartos, reviram tudo e ainda levam embora alguns objetos. As janelas não podem ficar abertas — ressalta o Padre Jesus Hortal, professor da PUC e ex-reitor da universidade, que já participou de diversos seminários no Sumaré (onde uma plaquinha na varanda adverte: “Não alimente os macacos”).
Para qualquer emergência, o médico Roberto Hugo da Costa Lins, chefe do setor de cardiologia da Clínica de Saúde São José, estará de plantão até a noite do dia 28, quando o Papa voltará para Roma. Durante toda a visita, duas suítes e um leito no CTI do hospital estarão reservados para qualquer eventualidade. Nascido em Pernambuco, Roberto mora no Rio há 44 anos e há cerca de 15 é médico das Carmelitas e das Clarissas:
— Estava mais preocupado com a visita de Bento XVI, que tinha problemas de saúde visíveis. Já o Francisco é um Papa saudável, vigoroso, que está vindo sem nenhuma recomendação médica. Estou rezando para que eu não tenha trabalho durante a Jornada.
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